Quando tratamos do tema Yoga Kids devemos refletir sobre quais são os fundamentos indispensáveis. Seja quem for o propositor – mães, pais, avós, professores – é de fato muito importante transformar a prática numa brincadeira. Aí surgem duas questões. Uma é: como fazer isso? E a outra trago como um questionamento: será que seria só isso mesmo?
Yoga Kids e o Brincar
Certo que para trabalharmos com as crianças, seja qual for a idade, transformar tudo em brincadeira é quase que indispensável. Digo “quase” porque há quem não se sinta à vontade para brincar como uma criança. O importante acima de tudo é que a experiência seja agradável para todos.r
Acessar a sua criança e se divertir é algo que pode fazer pra qualquer adulto. Assim, trago como sugestão utilizar a imaginação. Você pode ter acesso a posturas em livros e na internet, e pode pensar em uma forma de transformar um conteúdo mais quadrado e um exercício mais solto e divertido.
Dinâmicas
As aulas com as crianças costumam ser mais curtas porque a concentração é muito variante, principalmente nos mais novos. É legal respeitar o ritmo de cada um e permitir que a criança entre e saia da proposição, mas sempre atentx, claro, se é necessário mudar o ritmo ou se é o tempo da criança mesmo.
Em geral, quando a turma ou a criança está agitada, pode-se optar por aumentar o ritmo e depois propor um “volta calma”. Pode-se, ainda, fazer proposições de foco e concentração para baixar o ritmo e trabalhar uma prática menos intensa, mas com bastante variedade, o que pode facilitar a prender a atenção.
Silêncio
O silêncio é tão importante para a mente e para o corpo quanto a dinâmica. Mas não estamos falando de um silêncio absoluto, mas, sim, de técnicas que podem retomar a atenção das crianças quando estão muito agitadas. Fazer perguntas, trabalhar emissão de sons, fazer uma proposição de atividade respiratória… Se nada funcionar? Volte para a dinâmica 😀
Criatividade e Imaginação
Existe no Yoga um vasto universo de imagens que podem ser trabalhadas. Temos a anatomia sutil, com seus chakras, cores e relação com os sentidos. Dispomos de um universo mitológico incrível e vários outros que podemos criar a partir deles. Existem histórias relacionadas aos valores éticos que o pensamento filosófico propõe ou mesmo outras que podem ser criadas a partir dos nomes, das formas e das dinâmicas das posturas. E podemos até mesmo trabalhar com brincadeiras clássicas, de roda, de diversas culturas e aproximá-las de algo que queremos trabalhar. Quanta coisa, né?
Certo, mas será que é só isso mesmo?
Pra começar, pode ser, sim. Porém, não podemos esquecer que, quando trabalhamos com crianças temos um compromisso com a educação. Sim, valores pedagógicos são importantes e podemos observar o quanto o cotidiano da criança influencia no seu comportamento em aula.
Irmãozinhxs novos, viagens dos pais, complicações familiares podem ser trabalhadas nas dinâmicas buscando gerar acolhimento, compaixão, autonomia. O compromisso com as tarefas e rotinas, a alimentação, o respeito a si mesmx, aos colegas e às diferenças são outros exemplos.
Outras questões importantes: trabalhar auto-estima, auto-confiança, aceitação, empoderamento e o desprendimento do ego, sendo ambas polaridades importantes. E, falando em polaridades, tratar dos aspectos femininos e masculinos que todos temos e de forma não-dual é algo bem interessante.
Pedagogia do Movimento
Era aí que eu queria chegar. Até aqui tudo é importante, mas não tratamos da especificidade da prática física, que, no caso do Yoga, não se desvincula da mente e das camadas sutis. Trago, pois, da dança e da educação somática alguns hábitos de estruturação de aula que devem ser considerados.
Não podemos nos esquecer que estamos abordando o corpo, o movimento, o auto-conhecimento e mesmo o conhecimento do funcionamento dessas várias partes que o compõem e que exercem funções. Outro aspecto importante é entender o corpo em relação. Ou seja, compreendê-lo nas relações que ele estabelece consigo, com o outro, com o coletivo e com o espaço. UAU! E tem coisa pra estudar por aí…
Citando alguns aspectos do nosso corpo que é a nossa casa: a compreensão das partes do corpo (que pode ser simples e ir ganhando complexidades), dos movimentos que ele faz, de nossos pontos favoráveis de apoio, da relação entras as partes e forças cinéticas que facilitam o movimento, do trabalho com coordenação, força, flexibilidade e equilíbrio, dos espaços do corpo e movimentos energéticos, de ar, da experiência dos sentidos e da propriocepção.
Propriocepção e espacialidade
Parto, então, desse termo, para retomar o que citei quando referi “o corpo em relação”. Propriocepção também denominada como cinestesia, é, segundo Wikipedia, “o termo utilizado para nomear a capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais, sem utilizar a visão.”
A noção do espaço do corpo estabelece a relação entre o interno e o externo. Essa percepção é um aspecto muito interessante de ser exercitado para que colocar esse corpo junto com outros corpos e na relação com o ambiente funcione. Tudo isso passa pelo reconhecimento de níveis, entradas e saídas do chão, giros, disposições no espaço, formas geométricas, noções de direita-esquerda, ocupação do espaço (maior-menor) e que pode ser acrescido ao trabalho com tempo (velocidades), peso / contra-peso e fluxo.
Para compreender tudo isso e saber como fazer proposições, é importante ter em mente como se forma e como funciona tudo isso, quais são os princípios de desenvolvimento das crianças em termos neurológicos, motor e de organizações corporais.
E, ainda, existe a relação com a musicalidade, ritmo, emissão e vocalização de sons que não deixam de ter relação com tempo, ressonância e controle vocal e que também precisam ser educados.
Estudos Contemporâneos
Finalmente, venho tratar dos Estudos Contemporâneos para a Educação e para a Arte. Existe uma lista enorme de preceitos, e pretendo tratar disso no próximo post. Quero, pois, introduzir a ideia de que nossa organização mental é ramificada e complexa, e isso contrapõe estudos que a definem de uma forma cartesiana e determinista.
Em geral, nós vamos fazendo escolhas, muitas, simultaneamente, e não há um passo a passo exato do que vem antes e o que vem depois. Os Estudos Contemporâneos para arte, se relacionam com esse conceito na medida em que há uma liberdade de construções, suportes, misturas e indeterminações que são vistas como positivas. Perde o sentido “encaixotar” e receber pontos de vista diversos é grande ponto.
Assim sendo, proponho que tenhamos essa visão, não só para olharmos pra prática de Yoga com as crianças, mas também para a nossa e para a de nossos alunos, quando somos professores. A partir desse ponto de vista contemporâneo, toamos a liberdade de complementar nossas proposições com conhecimentos diversos.
Yoga Kids – fundamentos indispensáveis
Observem, pois, que, para estruturar uma aula de Yoga Kids, é bacana ter uma percepção que vai além de acessar sua criança e transformar a prática de asanas (posturas de yoga) numa brincadeira. Se você assiste uma aula, pode ser que seja essa a impressão que você tenha. Contudo, umx professorx bem fundamentandx terá muitos porquês por detrás de sua aula, e aí é que podemos observar a riqueza do que estamos formando nas nossas crianças.
Conteúdo por Clarissa Brittes
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